Tributação sobre combustíveis
Data:11/02/2020 - Hora:06h24
Há alguns dias circula na mídia um intenso debate entre o Presidente da República e os Governadores acerca dos impostos sobre os combustíveis. Apesar de extremamente necessária a discussão sobre o tema, entendo que o foco dado à situação não vai ajudar na evolução da legislação nem no debate. Isso porque, sabidamente, é inviável tanto aos Estados quanto para União a perda da receita proveniente dos tributos sobre os combustíveis.
A União, conforme amplamente divulgado, teve um déficit fiscal de aproximadamente R$ 80 bilhões no ano de 2019 e, diante disso, não poderá perder uma arrecadação de R$ 24,6 bilhões de PIS/Cofins sobre combustíveis e mais 2,7 bilhões advindos da Cide (valores arrecadados em 2019).
Desta forma, sem um plano para substituição para estas receitas, “zerar” a arrecadação destes tributos teria um grande impacto para as contas e para o risco de adimplência do país, que tem seu nível de confiança perante o mercado melhorando, especialmente, após a Reforma da Previdência.
Diante desse cenário, se a União não pode perder tal arrecadação, menos ainda podem os Estados. A título de exemplo, mais de 20% de todo o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do Estado de Mato Grosso é originário do imposto sobre os combustíveis. Ou seja, com a dificuldade de honrar diversas despesas, principalmente a folha de pagamento, como o Estado poderia abrir mão de uma receita tão valiosa? A verdade é que ninguém realmente pode e esse debate, sem uma análise profunda, torna-se apenas um instrumento conquistar “seguidores”.
De mais a mais, tal situação deveria servir à reflexão. Será que é correto, principalmente diante do Princípio da Seletividade, haver arrecadação em cima de um produto tal essencial aos contribuintes? Diante da ausência de um transporte coletivo de qualidade e outros modais logísticos, os combustíveis são imprescindíveis tanto às pessoas em seus automóveis quanto ao setor de produção, rural e industrial.
Assim, é imperioso que a discussão se amplie e deságue em medidas objetivas para adequação do referido imposto ao Princípio da Seletividade, por meio da iminente Reforma Tributária, a fim de se averiguar se é adequado quase 50% do valor final de um produto ser apenas de tributos ou se não seria o momento de se procurar símbolos reais de riqueza para impor uma maior arrecadação.
Outro debate que não entrou em pauta e que é ainda mais urgente é o momento da tributação. Toda a discussão entre os Estados e a União se dá porque o preço dos combustíveis diminuiu nas refinarias, no entanto os Estados não reduziram a base de cálculo do tributo, que é fixado por meio de uma pauta e cobrado no início da cadeia, e, por consequência, o preço dos combustíveis permanece inalterado nas bombas.
Na prática, os Estados fazem uma previsão do valor de venda desse produto na bomba e estimam o valor do imposto. Verifica-se que há um verdadeiro jogo de futurologia, o qual, obviamente, chega perto do valor real de venda, tendo em vista que aproximadamente 50% do valor é de tributo e o preço do produto no começo da cadeia é tabelado.
Agora, é uma previsão que pode ou não ser efetivamente consolidada, pois existem diversos fatores que podem alterar essa conta, como a alteração no preço de origem, que ocorre dia após dia, segundo a nova política de preços da Petrobras, a qual não definiu a periodicidade de mudança. Diferentemente ocorre com a pauta de preços dos combustíveis que é alterada, em regra, a cada 15 dias.
Assim, surge uma questão, por que não se passa a discutir a possibilidade constitucional de pagar o ICMS e demais impostos com base no valor de cada operação? A sugestão é mais simples, transparente, de fácil entendimento pelos contribuintes e ajudaria os empresários que não precisariam adiantar o pagamento do tributo antes da real operação ocorrer.
E ainda, se antes havia o temor da sonegação ante a dificuldade de fiscalização, hoje, com todos os instrumentos tecnológicos que estão à disposição (nota fiscal eletrônica, cruzamento de dados entre as Receitas Estadual e Federal), o risco é cada vez menor, bastando ao Estado cumprir o seu dever de fiscalizar.
O movimento de trazer o tributo baseado no fato gerador real permitiria maior competição entre os empresários, propiciando, diante da concorrência, a redução nos preços para o consumidor/contribuinte.
Além disso, seria reduzida uma série de processos judiciais e administrativos que busca a recuperação de créditos de ICMS e PIS/Cofins quando a operação se dá por valor menor do que aquele fixado no início da cadeia. Assim, haveria mais segurança jurídica e menos processos para os Tribunais julgarem, ganhando todos.
Por fim, o debate sobre tributação deve sempre ocorrer, pois é um dos instrumentos que pode trazer alternativas para maior racionalidade e transparência ao sistema tributário, contudo são necessários debates com fundamentação e com objetivos reais de mudança e não debates “cassa seguidores”.___***GUSTAVO GUILHERME ARRAIS é advogado mestre em Direito Tributário pela PUC/SP
Tributação sobre combustíveis
Há alguns dias circula na mídia um intenso debate entre o Presidente da República e os Governadores acerca dos impostos sobre os combustíveis. Apesar de extremamente necessária a discussão sobre o tema, entendo que o foco dado à situação não vai ajudar na evolução da legislação nem no debate. Isso porque, sabidamente, é inviável tanto aos Estados quanto para União a perda da receita proveniente dos tributos sobre os combustíveis.
A União, conforme amplamente divulgado, teve um déficit fiscal de aproximadamente R$ 80 bilhões no ano de 2019 e, diante disso, não poderá perder uma arrecadação de R$ 24,6 bilhões de PIS/Cofins sobre combustíveis e mais 2,7 bilhões advindos da Cide (valores arrecadados em 2019).
Desta forma, sem um plano para substituição para estas receitas, “zerar” a arrecadação destes tributos teria um grande impacto para as contas e para o risco de adimplência do país, que tem seu nível de confiança perante o mercado melhorando, especialmente, após a Reforma da Previdência.
Diante desse cenário, se a União não pode perder tal arrecadação, menos ainda podem os Estados. A título de exemplo, mais de 20% de todo o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do Estado de Mato Grosso é originário do imposto sobre os combustíveis. Ou seja, com a dificuldade de honrar diversas despesas, principalmente a folha de pagamento, como o Estado poderia abrir mão de uma receita tão valiosa? A verdade é que ninguém realmente pode e esse debate, sem uma análise profunda, torna-se apenas um instrumento conquistar “seguidores”.
De mais a mais, tal situação deveria servir à reflexão. Será que é correto, principalmente diante do Princípio da Seletividade, haver arrecadação em cima de um produto tal essencial aos contribuintes? Diante da ausência de um transporte coletivo de qualidade e outros modais logísticos, os combustíveis são imprescindíveis tanto às pessoas em seus automóveis quanto ao setor de produção, rural e industrial.
Assim, é imperioso que a discussão se amplie e deságue em medidas objetivas para adequação do referido imposto ao Princípio da Seletividade, por meio da iminente Reforma Tributária, a fim de se averiguar se é adequado quase 50% do valor final de um produto ser apenas de tributos ou se não seria o momento de se procurar símbolos reais de riqueza para impor uma maior arrecadação.
Outro debate que não entrou em pauta e que é ainda mais urgente é o momento da tributação. Toda a discussão entre os Estados e a União se dá porque o preço dos combustíveis diminuiu nas refinarias, no entanto os Estados não reduziram a base de cálculo do tributo, que é fixado por meio de uma pauta e cobrado no início da cadeia, e, por consequência, o preço dos combustíveis permanece inalterado nas bombas.
Na prática, os Estados fazem uma previsão do valor de venda desse produto na bomba e estimam o valor do imposto. Verifica-se que há um verdadeiro jogo de futurologia, o qual, obviamente, chega perto do valor real de venda, tendo em vista que aproximadamente 50% do valor é de tributo e o preço do produto no começo da cadeia é tabelado.
Agora, é uma previsão que pode ou não ser efetivamente consolidada, pois existem diversos fatores que podem alterar essa conta, como a alteração no preço de origem, que ocorre dia após dia, segundo a nova política de preços da Petrobras, a qual não definiu a periodicidade de mudança. Diferentemente ocorre com a pauta de preços dos combustíveis que é alterada, em regra, a cada 15 dias.
Assim, surge uma questão, por que não se passa a discutir a possibilidade constitucional de pagar o ICMS e demais impostos com base no valor de cada operação? A sugestão é mais simples, transparente, de fácil entendimento pelos contribuintes e ajudaria os empresários que não precisariam adiantar o pagamento do tributo antes da real operação ocorrer.
E ainda, se antes havia o temor da sonegação ante a dificuldade de fiscalização, hoje, com todos os instrumentos tecnológicos que estão à disposição (nota fiscal eletrônica, cruzamento de dados entre as Receitas Estadual e Federal), o risco é cada vez menor, bastando ao Estado cumprir o seu dever de fiscalizar.
O movimento de trazer o tributo baseado no fato gerador real permitiria maior competição entre os empresários, propiciando, diante da concorrência, a redução nos preços para o consumidor/contribuinte.
Além disso, seria reduzida uma série de processos judiciais e administrativos que busca a recuperação de créditos de ICMS e PIS/Cofins quando a operação se dá por valor menor do que aquele fixado no início da cadeia. Assim, haveria mais segurança jurídica e menos processos para os Tribunais julgarem, ganhando todos.
Por fim, o debate sobre tributação deve sempre ocorrer, pois é um dos instrumentos que pode trazer alternativas para maior racionalidade e transparência ao sistema tributário, contudo são necessários debates com fundamentação e com objetivos reais de mudança e não debates “cassa seguidores”.___***GUSTAVO GUILHERME ARRAIS é advogado mestre em Direito Tributário pela PUC/SP
fonte: GUSTAVO GUILHERME ARRAIS
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