Onde o Racismo se Esconde
Data:20/11/2019 - Hora:07h20
Por muito tempo, não conseguia enxergar quando estava diante de um ato racista. Até porque uma neblina me impedia de ver que era de fato negra. Mesmo sabendo que branca não era – uma confusão bem comum no Brasil do colorismo. Mas aprendi que não é só quando alguém delimita o que é ou não coisa de preto que o racismo acontece.
Tomei alguns bons baldes de água fria no meio do meu processo de entendimento como mulher negra. Com eles, veio a percepção de que o racismo sempre esteve presente na minha vida: em casa, na escola, na aula de dança ou entre amigos. Ele sempre esteve lá. Ele é tão enraizado na estrutura da sociedade que muita gente não se dá conta de suas atitudes racistas. E muitos, assim como eu, não percebem quando estão sendo vítimas. Mesmo os mais progressistas reproduzem estereótipos e contribuem para a perpetuação do racismo, até em brincadeiras e elogios.
Demorei para entender que “ter tido a sorte” de não ter nascido com o “cabelo ruim do meu pai” não era uma vantagem. Ou que ser “elogiada” pela minha “beleza exótica” de “morena cor de jambo” não era nenhuma honra. Ou, ainda, que ter um “quadril de boa parideira” não era sorte alguma. Aliás, nada disso impediu que eu não fosse convidada para aquela festinha da escola particular de alunos brancos em que eu era bolsista, de ser vigiada pelo segurança quando entro em uma loja, ou de não ser atendida em um restaurante (sim, aconteceu).
As situações estão sempre acontecendo e se repetindo. E sim, é só porque sou preta. Neste ano, no período de uma semana, me vi em três situações onde o racismo se apresentou de forma sutil, pronto para passar despercebido, mas ele estava lá. Fiquei remoendo o sentimento de desdém e analisando o porquê de cada coisa.
Meu falecido avô branco, que carinhosamente me chamava de pretão, para a loucura de vovó que sempre o lembrava que na verdade eu era moreninha, precisou ser hospitalizado. Ele teve de passar por um determinado procedimento em que precisava de acompanhante. Eu, por já ter trabalhado na área da saúde e em emergência, me ofereci. Entrei na sala empurrando a cadeira de rodas e meus tios brancos ficaram aguardando no corredor. No meio do atendimento me perguntam se fazia tempo que eu era cuidadora dele, pois pela afinidade ele parecia gostar bastante de mim. Respondi que eu era neta. O enfermeiro pediu desculpas envergonhado.
Estava em uma loja na Zona Sul carioca dando aquela olhadinha quando uma senhora meio ríspida me questiona sobre um produto. Fui confundida com uma das funcionárias. Um clássico. Não, minha roupa não se parecia com o uniforme da loja. Não, eu não lembrava nenhuma das funcionárias do lugar (todas brancas, inclusive). Simplesmente, eu era a mais “escurinha” do local. Essa situação já aconteceu tantas vezes que já tenho até uma resposta pronta. Em todas as vezes me senti agoniada. Só não sabia o motivo. Mas agora entendo que é pelo racismo embutido neste inocente ato de confusão. Ao que parece, existe uma regra que diz que preto em loja ou é assaltante ou é funcionário. Não podemos ter poder de compra e precisamos sempre estar na posição de quem serve. O entendimento do que é ser negro passa pela reconhecimento do racismo e, consequentemente, das situações em que ele ocorre. Repito que precisamos apontar toda e qualquer atitude racista. Precisamos deixar de negar o racismo. ***___Juliana Gonçalves, Jornalista, Mestranda PPDH-UFRJ.
fonte: Juliana Gonçalves
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