O mundo está melhorando
Data:19/02/2019 - Hora:07h53
Gosto de pensar sobre as intensas modificações que ocorreram durante o tempo que, por pura casualidade, habito esse intrigante planeta. Fixo-me mais nas alterações que melhoraram o convívio social e menos nas que pioraram a relação entre os humanos.
Lembro-me de um caso ocorrido no final da década de 1960, tão marcante pra mim e constrangedor para a vítima, que passados tantos anos ainda o recordo com detalhes.
Na cidade mediana do interior paranaense, em um dos cinemas locais, passava um filme ordinário em uma noite comum de uma semana qualquer. O porteiro, que de cara amarrada pegava os ingressos na entrada, de repente se recusou a receber o meio-bilhete que um garoto de mais ou menos doze anos lhe entregava. Não havia razão aparente para a recusa, pois o filme não tinha censura e nem era proibido a menores frequentar cinemas desacompanhados.
Secamente o mal humorado funcionário disse ao menino que ali era permitido entrar pessoas vestidas daquela forma. Eis que o garoto usava uma calça surrada, uma camisetinha idem e chinelo de dedo. “Devolve o dinheiro desse moleque” quase gritou para o bilheteiro.
Mais ou menos na mesma época, em outro cinema daquela cidade havia uma palestra voltada para a turma chique. Vestido de terno e gravata uma vistosa autoridade, dirigindo o próprio automóvel parou na frente do prédio onde havia um vendedor de pipoca com seu carrinho tradicional. Por descuido ou barbeiragem acabou empurrando o homem e seu instrumento de trabalho com o para-choque do carro.
O pipoqueiro, com toda razão, reclamou veementemente. Não me lembro se por ordem do figurão ou por iniciativa dos bate-paus que o acompanhavam, o reclamante foi rudemente levado dali, juntamente com a mercadoria que vendia.
Eu contava revoltado estes episódios para os colegas no trabalho, para os vizinhos e para os conhecidos que não se sensibilizavam com a tamanha injustiça. Era até aceitável a indiferença dos meus contemporâneos, porque nesta época havia muitas discriminações: os negros nos Estados Unidos não podiam frequentar as mesmas escolas dos brancos e nos ônibus eram obrigados a ceder o lugar quando um deles entrava no coletivo lotado. Eram hostilidades previstas em lei que só começaram a ser modificadas a partir de 1960.
Pensando sobre o caso, ocorre-me que o grotesco porteiro do cinema que humilhou o menino pobre podia ter deixado em sua casa um filho vestido tal qual o garoto impedido de ver o filme; e os jagunços que levaram o pipoqueiro, de repente, seriam filhos de vendedores de puxa-puxa ou algodão doce nos campos de futebol ou nos circos que visitavam a cidade.
Hoje um cachorrinho entra faceiro em lugares que eram vedados ao menino “mal vestido” e goza, por certo, de muito mais respeito que o vendedor de pipoca empurrado pelo soberbo figurão. Também vale mais que um negro americano, proibido de casar com uma branca nos anos sessenta, ou de frequentar muitos clubes sociais aqui mesmo no Brasil.
O mundo está melhorando, se não acabar logo pode ficar bom!
RENATO DE PAIVA PEREIRA é empresário e escritor
fonte: RENATO DE PAIVA PEREIRA
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