Carlitos e Dona Torina
Data:24/04/2018 - Hora:08h37
Esta semana me pus a meditar sobre a vida de Dona Castorina, uma senhora de 70 e uns anos, como ela diz, ainda não estreou os 80 e até lá é uns mesmo, que se dane o calendário, aliás, é indecoroso, perguntar a idade de uma dama, repreende a Dona Torina, como gosta de ser chamada. Religiosa, não esquece nunca do rosário de Nossa Senhora Desatadora de Nós, das agulhas de crochê, a menina tem uma vista digoreste! Não usa óculos de grau, só um ray-ban moderno quando vai à Praia do Daveron, de vês em quando. Dona Torina era amiga da mamãe que viajou mais cedo e sempre falava da amiga, do passado, enquanto ouve Siboney, Lábios de Mel e outras, da sapoti Ângela Maria no seu toca-discos; conforme diz, lembra dos bons tempos, do footing na Praça Barão dos anos 30 do século passado. Ela ficou viúva de Seu Genésio, um carapina, aos 50 anos, com o qual teve um casal de filhos, Jacinta, homenagem a menina que viu a virgem em Fátima, e Máximo, homenagem ao bispo Dom Máximo Biennès, amigo de seus pais. Morando sozinha, quando a gente pergunta pelos filhos, ela diz que os meninos, estão por aí, Fatinha trabalha em Cuiabá, é dentista e Max, montou comercio em Rondonópolis, vão vivendo. Vez por ano, aparecem, trazendo a netaiada, são quatro, (um dela e três dele) genro e nora, ficam uns dias e depois se arribam. Saudades? Ah, ela diz que sente sim, mas sabe curtir a danada, e, quando ela bate, liga prumas amigas, vai jogar bozó e falar mal da vida alheia, conclui numa risada gostosa. Não sei porque me lembrei de falar de Dona Torina hoje, quiçá depois de ler uma croniqueta de Charles Chaplin, que passo a vocês:“A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso. Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria. Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para a faculdade. Você vai para o colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando. E termina tudo com um ótimo orgasmo! Não seria perfeito?” Não seria exagero dar razão ao Carlitos Chaplin, que sabia das coisas e como sabia, o gênio do cinema mudo, preto e branco, colorido com as luzes da ribalta em seus tempos modernos de antanho. Neste mundo mágico, nos deparamos com Evan Briggs, que descrevia ser difícil ignorar a sensação de isolamento dos moradores quando entramos num asilo, e ainda mais difícil conciliar isso com o fato de que a velhice virá para todos nós, inevitavelmente. Com certeza, por isso, Dona Torina prefere viver seu asilo particular, envolta nas lembranças, nos chás com as amigas, no crochê e nas contas do rosário antes de dormir. Na nossa cultura obcecada pela juventude em ritmo acelerado, o ser humano em sua maioria, não quer ser lembrado de sua própria mortalidade. Seria mais fácil desviar o olhar? Acredito que não, a gente precisa sim, aprender a envelhecer, sem se preocupar com isso, não é mesmo? Quer exemplo melhor do que nossa personagem Dona Torina? ***__Rosane Michelis – jornalista, bacharel em geografia e pós em turismo.
fonte: Da Redação
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