A Delação de Malasartes
Data:15/08/2017 - Hora:08h13
Um grito de arrepiar alma penada atravessou as abóbadas do palácio do... Qual é mesmo o nome daquele bicho de perna comprida, pescoço vermelho e cabecinha preta? Ah, deixa pra lá. Bota aí tapujaca, jabiru, jaburu, tuiuiú, qualquer coisa do tipo. Quem assim gritou, devastado de medo, foi o noivo-senador, apavoradíssimo, pulando da cama na luxuosa alcova presidencial-golpista. Acabava de sonhar com uma figura sinistra de dentes compridos e sangue à beça escorrendo pela cara. Assustadora mesmo. Quem seria? A falecida senadora, mãe de Malasartes, voltando do Inferno para atormentá-lo? Não dava tempo. A república moribunda? Como, se a república morreu faz tempo e a direita escondeu a defunta debaixo do tapete? A justiça? Ora, não me faça rir: justiça é palavrão indecoroso para uso de pilantras togados. Os próprios remorsos? Que remorsos? Canalha não tem remorso. Canalha só tem bolso e conta no paraíso.
O chefe-de-gabinete-para-assuntos-nupciais, doravante, chefe-de-etc., apareceu do nada, atraído pela infame gritaria. E parou na porta da alcova, de boca aberta. Pois o distinto senador estava assim: peladão e branquelão, sentado na cama, os raros cabelos brancos espetados, as pelancas da cara escorrendo que nem gema de ovo, as muxibas do corpo, coitadas, numa luta danada para manterem em decente postura as amarfanhadas carnes senatoriais... O chefe-de-etc. torceu o nariz. “Tá danado”, pensou. “Pelo jeito esse aí não casa nem dá golpe. Vai acabar entregando a rapadura pro PSDB e pro DEM”. – O que foi, senador? – perguntou por perguntar. – Algum pesadelo? – Dos mais medonhos – ripostou o senador, abanando-se com um lenço de seda, mimo recebido da deliciosa ex-miss, sua noiva, minutos atrás, antes que ela virasse borralheira atrás das cortinas, onde já a esperava o jovem mordomo traíra. – Sonhei com um feroz árabe das mil e uma noites me degolando com uma cimitarra. – Seria mais uma vez o Ali Babá? – Esse mesmo: o Ali Babá e seus 40 ladrões. – Mas por que estava te degolando? – Porque eu queria tomar o lugar dele com meus 400 ladrões. – 400? Tantos assim? – Claro. Perto de minha tropa de choque Ali Babá é fichinha. Se eu comandasse só 40 ladrões não chegaria, no Brasil, nem a vereador. – Vamos ver se entendi – perseverou o chefe-de-etc. – A idéia do senador é roubar o comando de Ali Babá sobre a quadrilha dele, se apoderar das riquezas dele, da caverna e do palácio dele, e ainda obter a ajuda de Morgana, a enteada dele. – Nem tanto, nem tanto – interrompeu o senador. – Quero a quadrilha dele, as riquezas dele, a caverna e o palácio dele. Morgana, não, Morgana tá fora. – E será que vale a pena tomar o lugar de Ali Babá e se cercar de 400 ladrões dispostos a tudo e a mais um pouco?
– Claro que vale. O país tá lascado, mesmo! E lá se foi o senador -caduco-golpista-noivo-velho em desfile pela Esplanada dos Ministérios seguido pelos 400 ladrões. (Por Sebastião Nunes).
fonte: Sebastião Nunes
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